domingo, 4 de dezembro de 2011

4.2. A CIDADE BARROCA

OBS: O texto abaixo não tem pretensão autoral. Trata-se de notas e ‘fichamentos’ de partes da Bibliografia referenciada em seguida e que foram feitos apenas com caráter didático.

4.2.1. Introdução.

- Lewis Mumford, observou que neste período conviveram ao mesmo tempo na arte, uma faceta sensual e anticlássica que se expressava através dos meios da pintura e da escultura, e de outro lado, uma faceta "..matemática e abstrata, expressa com perfeição nos seu rigorosos planos de ruas, nos seus traçados urbanos formais e nos seus desenhos geometricamente ordenados de jardins e paisagens".
- O Barroco, ao contrário do Renascimento, trouxe as experiências urbanísticas que até então estavam praticamente restritas ao Novo Mundo, para a Europa, ousando inclusive rasgar as antigas cidades medievais, mas, especialmente, construindo novas cidades, próximas às capitais, que eram cidades moradias de seus monarcas, verdadeiros símbolos do absolutismo.
- O Barroco deu continuidade à experiência da organização do espaço urbano em traçado xadrez do Renascimento, invariavelmente rasgando esta malha urbana quadriculada com um grande eixo central ou diagonal, uma avenida monumental ao final da qual estrategicamente assentava-se o Palácio do monarca.
- Assim; a cidade barroca transformava-se num exercício de retórica e propaganda da monarquia absoluta.

4.2.2. O urbanismo romano.
- A primeira grande cidade européia a fazer grandes remodelações foi Roma, sob o pontificado de Nicolau V.
- Se o Renascimento na Itália teve como protagonista a cidade de Florença, o Barroco por sua vez, teve a cidade de Roma.
- Roma até os meados do séc. XV era uma cidade pouco importante frente a cidades italianas como Florença e Veneza, estava bastante empobrecida pela longa ausência do poder papal. Os papas voltam do exílio em Avignon apenas em 1420 e recuperam o pleno controle sobre a cidade apenas em 1453.
- A intenção de Nicolau V era de reconstruir a antiga cidade imperial transformando-a novamente na capital do mundo. (Não sem percalços, tais como o saque de Roma pelos exércitos de Carlos V em 1527).
- Os diversos planos de remodelação da cidade, de Nicolau V (c.1450) a Sisto V (c.1590), traçaram grandes eixos monumentais na cidade, mas que não foram suficientes para exterminar a malha urbana medieval, que na verdade só veio a ter perda considerável no séc. XX, com os grandes saneamentos fascistas. Mas bairros inteiros resistiram heroicamente, como é o caso do Trastevere.- O plano de Sisto V, baseado nos grandes eixos e nos obeliscos trazidos e copiados do Egito, remodelava algumas áreas, introduzindo praças publicas monumentais, revestidas por fachadas contínuas (um conceito que depois será levado a perfeição pela urbanística barroca francesa e inglesa), coroadas centralmente por fontes ornadas com grandes conjuntos alegóricos e acessadas por grandes vias axiais.


Roma: Plano de Sisto V

- O urbanismo barroco romano era fortemente marcado pelo simbolismo religioso; a presença de símbolos como a cruz, o obelisco e a fonte remetiam a significados caros à mística cristã. Na Fontana dei quattri Fiumi na Praça Navona, um monumental conjunto em mármore onde, em torno de um grande obelisco egípcio, movimentam-se quatro figuras alegóricas personificadas, representando os quatro principais rios do mundo; o Ganges, o Nilo, o Amazonas e o Prata, Bernini tencionava uma alegorização dos quatro rios do Paraíso, uma alegorização modernizada pelo barroco, pois não se deve esquecer que dos rios de que fala o Gênesis, o século XVII identificava o Físon com o Ganges e o Gion com o Nilo, aos quais Bernini incorporou os principais rios do Novo Mundo. As alegorias de Bernini, mesmo sem serem religiosas, serviam à religião.
- Na piazza e Basílica de São Pedro em Roma, Bernini (1656) projetou uma grande praça eliptica cercada por uma colunata à maneira palladiana, embora em dimensões monumentais jamais vistas, como que fazendo dois grandes braços, querendo alegoricamente envolver o mundo. O obelisco, no centro da praça, simboliza o centro do mundo, o local privilegiado por excelência para a comunicação entre os distintos níveis (o do mundo terreno e o celeste). Não devemos nos esquecer que o barroco, junto com o maneirismo, foi o período de maior expansão da religião cristã, da qual o símbolo máximo é a basílica de São Pedro. Roma era o lugar da revelação do divino. A representatividade de Roma com sua autoridade religiosa e política, sua historicidade tornada manifesta pelos monumentos, a naturalidade privilegiada e mitológica do seu território. A cidade era um teatro no qual Bernini introduzia a sua cenografia. Segundo Benévolo, a colunata de Bernini é uma jogada de mestre para fazer a transição da escala monumental da fachada barroca de Maderna para a escala mais humana e íntima do casario medieval que predominava no bairro. Segundo Argan, com a construção da praça e sua colunata, Bernini consegue reabilitar de forma magistral a cúpula de Michelangelo como elemento central do conjunto, cúpula que tinha sido relegada a segundo plano com o gigantismo da fachada de Maderna.

4.2.3. Barroco francês.
- Se a cidade do barroco por excelência na primeira metade do séc. XVII é Roma, na segunda metade esta cidade é Paris, a capital de Luis XIV.
- De acordo com Argan, a cidade capital tem sua origem no período do barroco. Ainda que algumas monarquias – que eram itinerantes na Idade Média – tenham se fixado em cidades desde o inicio da Idade Moderna, apenas no século XVII a cidade é estruturada enquanto capital; com a construção de edificações próprias para a administração do reino. Paris, no século XVII é o exemplar mais acabado. São Petersburgo – totalmente construída por Pedro o Grande a partir de 1703 – e Lisboa Pombalina, reconstruída após o terremoto de 1755, são dois grandes exemplos do século XVIII.
- As intervenções na Paris ao longo do século XVII foram inúmeras: a demolição das antigas muralhas medievais com a construção de grandes bulevares nos espaços criados; a criação de praças reais (arquitetura cenográfica com a estátua eqüestre do rei posicionada no centro), de avenidas, de pontes, de imponentes prédios públicos etc.
- Observa-se que os meios dos reis franceses não foram suficientes para transformar em larga escala o antigo traçado medieval de Paris, obtendo assim apenas a inserção de episódios arquitetônicos isolados embora importantes e magníficos.
- A grande criação do barroco francês foi a cidade-palácio, localizada na periferia da capital e ocupando um imenso espaço que era constituído fundamentalmente por um palácio inserido em um grande parque.
- O palácio de Versailhes, construído por Le Vau e Mansart, é um edifício de mais de 500 m de comprimento que separa o parque, do espaço da cidade. As proporções de Versailles são próximas às do centro de Paris, contudo, não se trata propriamente de uma cidade.
- O palácio-cidade é uma elegia à monarquia absoluta: nele, todos os eixos conformadores (os do parque, os do palácio e os da cidade à frente) convergem para os aposentos reais, como se o monarca fosse o centro do universo.
- O palácio-cidade francês será copiado à exaustão por toda monarquia européia, desejosa de se igualar ao poderoso rei francês: Schönbrunn em Viena; Sanssouci à Postdam; Caserta perto de Nápoles etc.

Bibliografia:

ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaios sobre o barroco. São Paulo : Companhia das Letras, 2004.

GIEDION, Siegfried. Espaço, tempo e arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo : Martins Fontes, 2004.

MUMFORD, Lewis. A cidade na história: suas origens, transformações e perspectivas. São Paulo : Martins Fontes, 1982.

PEVSNER, Nikolaus. Panorama da arquitetura ocidental. São Paulo, Martins Fontes, 1982.

4.1. O BARROCO NA EUROPA (1600-1760)

OBS: O texto abaixo não tem pretensão autoral. Trata-se de notas e ‘fichamentos’ de partes da Bibliografia referenciada em seguida e que foram feitos apenas com caráter didático.


4.1.1. Introdução:
- Etimologia da palavra barroca. Sentido pejorativo que este termo e esta fase da história da arte, tinham na sua origem. Pérola barroca, dizia-se de uma pérola defeituosa.
- Pevsner afirma que o barroco primeiro nasce na Itália, em Roma, e se expande depois para os demais países Europeus (1600-1760). Maravall afirma que nasce na Península Ibérica e situa-se nos três primeiros quartos do séc. XVII.
- Maravall realça que é importante ter em conta uma noção de cultura do barroco, na qual, sobressai a arte barroca mas onde vigora também uma ‘arte’ da guerra, ‘arte’ da etiqueta... etc.
- A arte barroca é fundamentalmente propagandística. De acordo com Argan, é o primeiro período da história da arte que usa a esta como ‘marketing’. A arte barroca, é, em essência, uma propaganda subliminar que sustenta o status-quo da época: a monarquia absoluta e a igreja católica.
- Barroco e retórica (arte da eloqüência e da insistência).
- Barroco como arte da contra-reforma.
- O retorno a uma religiosidade de caráter medieval, (o culto macabro, do Triunfo da Morte, na Idade Média é reatualizado no Barroco).
- O Barroco é característico dos países do sul da Europa e em alguns estados católicos da Alemanha e da Áustria.
- Resistência ao Barroco nos países do norte (França, Inglaterra, Países Baixos), local onde o iluminismo penetrou mais cedo.
- Sob o ponto de vista das mentalidades, iluminismo e barroco são incompatíveis.
- Não só, mas em geral, o iluminismo penetrou com maior rapidez nos paises protestantes.
- Os fatores político-culturais centrais do Barroco - segundo Maravall – são: o catolicismo tridentino; a Santa Inquisição; o ensino jesuítico e o absolutismo monárquico.
- A obra clássica de Copérnico é do final do Renascimento (1543); a de Galileu, de 1632, seria do meio do Barroco segundo a periodização proposta por Maravall; ainda assim, a física da natureza, aristotélica, base para a concepção de um mundo fechado, centrado, predominou durante todo o século XVII europeu e início do XVIII até ser substituída definitivamente pela física newtoniana.
- O Barroco é assim o período onde os grandes embates filosóficos que permitiram a passagem de uma concepção de um mundo fechado para um universo aberto se deram.
- Se, sem dúvida alguma, a mutabilidade, a transitoriedade, a fugacidade e a falsidade da vida terrena são temas fundamentais em torno dos quais gira a cultura do Barroco, isso não significa que não exista ainda fortemente presente como mote central da mundivisão deste período uma idéia de imutabilidade e perenidade, associada às coisas divinas e às verdades eternas, e que não deve ser ignorada.
4.1.2. Arte Barroca – o barroco romano.
- Arte Barroca, simbolismo e alegoria.
- Sob o ponto de vista estético, o barroco não tem grandes discrepâncias com o Renascimento. Os princípios de clareza e de unidade deste último em contraposição à obscuridade e multiplicidade do primeiro não os tornam necessariamente opostos e os dois estilos dividem entre si um patrimônio comum bastante significativo. O barroco continua a trabalhar com os elementos semânticos da arquitetura clássica, contudo, incrementa os aspectos decorativos destes.
- Sigfried Giedion afirmou que a fachada dos edifícios, fôsse o palácio ou a igreja, era "..determinada pela matemática, ao passo que o estilo dos interiores era o produto de uma imaginação luxuriante".
- O Barroco leva até as últimas conseqüências a arte da pintura ilusionista, do trompe l’oeil maneirista: eles chegam mesmo a serem aplicados à arquitetura do cotidiano (como na Scala Regia no Vaticano) e não ficam restritos à cenografia como no maneirismo (Teatro Olímpico de Palladio – Scamozzi).
- Se no Renascimento a forma clássica por excelência era o círculo, no Barroco, vai ser a vez da elipse. O círculo é estático, a elipse é movimento.
- O plano de igreja da Contra Reforma é o plano longitudinal. O barroco, via de regra, vai dar continuidade ao plano longitudinal, contudo, alguns dos planos de igrejas mais elaborados da arquitetura barroca romana, terão a forma elíptica ou serão derivados dela.
- No Barroco romano, também o elemento curvo foi introduzido na fachada de igrejas e palácios.
4.1.3. O barroco no norte da Europa.
- O barroco francês foi contido, quase clássico. O grande aporte da França para o barroco foi na organização do espaço exterior, sobretudo na organização dos grandes parques compreendidos como prolongamento do palácio. A preponderância de um governo secular sobre o governo religioso, e sobretudo de uma casta de intelectuais envolvidas com a renovação cultural e com a laicização da sociedade, fizeram com que o espírito de contra-reforma nunca tivesse uma verdadeira repercussão no horizonte cultural francês.
- Também o Barroco inglês é clássico. As mesmas premissas existentes na França, existiam no solo inglês, algumas inclusivemais tempo.
- Entre os países nórdicos, apenas a Alemanha do Sul (Baviera) e a Áustria, estados católicos, adotaram as concepções complexas do espaço barroco italiano.
- A Península Ibérica, em especial a Espanha, é o típico país em que as premissas do sistema barroco se encontram de forma mais plena; o catolicismo tridentino, a Santa Inquisição, o ensino jesuítico e o absolutismo monárquico. O barroco espanhol é exuberante.
Bibliografia:
ARGAN, Giulio Carlo. Imagem e persuasão: ensaios sobre o barroco. São Paulo : Companhia das Letras, 2004.
GIEDION, Siegfried. Espaço, tempo e arquitetura: o desenvolvimento de uma nova tradição. São Paulo : Martins Fontes, 2004.
MARAVALL, José António. La cultura del Barroco. Barcelona, Editorial Ariel, 1996. (1ª ed. 1975).
PEVSNER, Nikolaus. Panorama da arquitetura ocidental. São Paulo, Martins Fontes, 1982.

3.3. CIDADES NA AMÉRICA PORTUGUESA.


OBS: O texto abaixo não tem pretensão autoral. Trata-se de notas e ‘fichamentos’ de partes da Bibliografia referenciada em seguida e que foram feitos apenas com caráter didático.


Diferenças na formação de cidades na América lusa e a na América hispânica

Os espanhóis, desde a formação dos primeiros núcleos urbanos na América, tiveram sempre cuidados com o planejamento destes, ordenando-os através de um plano do tipo tabuleiro xadrez; ou seja, uma quadrícula regular formada por quarteirões e ruas. Disposição esta que era inclusive determinada por ordenação real mais conhecida por Leis de Índias, e que impunha alinhamentos e numerosas prescrições a respeito do traçado e das edificações
urbanas.
A origem destas cidades na América hispânica parece estar mais próxima do traçado regular das cidadelas medievais do último período do que propriamente dos planos centralizados para cidades, elaboradas pelo Renascimento. De qualquer forma, é nítido que na base dessas prescrições reais já se pode encontrar influências do célebre tratado de Vitrúvio redescoberto no início do Renascimento e que propugnava, na parte dedicada às cidades, um planejamento regular que facilitasse a salubridade e as condições sanitárias da
cidade, inclusive quanto a insolação e ventilação.
Já os portugueses, na implementação de suas cidades, tomaram partido distinto. Segundo Robert Smith, para qualquer lugar que iam carregavam a tradição lusa das cidades alta e baixa, das ladeiras íngremes e tortuosas fazendo a ligação entre os dois níveis; contudo, podemos pensar também que sentido a delicada posição de seus núcleos primígenos em terra americana - em número insignificante e espalhados ao longo de uma costa imensa, cercados de inimigos por todos os lados (índios inóspitos e corsários e invasores de outras nações) – que os portugueses sentiram a necessidade de adotar um partido do tipo acrópole, encarapitado de forma defensiva no topo de uma elevação. Pelo menos é assim a formação das primeiras cidades como Salvador, Rio de Janeiro e Vitória. Tanto a fundação do Rio de Janeiro como a da cidade de Vitória, são paradigmáticas da predominância de um partido defensivo do tipo acrópole: o Rio de Janeiro, que tinha seu núcleo primeiramente sediado próximo à base do morro Cara de Cão, logo após a expulsão dos franceses da baía de Guanabara foi transferido para o alto do morro do Castelo, local preferível pois onde podia se vislumbrar e controlar a entrada da baía; Vitória por sua vez teria sido fundada após o abandono do núcleo original de Vila Velha – local que não foi considerado satisfatório – o novo local, mais recuado para o interior da baía, também era em posição elevada, como no Rio de Janeiro.
É evidente que construídos em topos de elevações os núcleos históricos das cidades portuguesas estavam mais sujeitos às conformações da topografia do que se estivessem sendo construídos em regiões planas da várzea, o que fazia com que nos seus traçados predominasse a irregularidade. É certo também que as possibilidades de espaço nem sempre eram muitas no alto das colinas, obrigando à disposições estranguladas e em algumas vezes, como é o caso do Rio de Janeiro, quase que de imediato obrigando a expansão da cidade a se dar na direção da várzea.
Não é verdade que aos portugueses faltasse disciplina, ou mesmo espírito organizador no sentido da construção de uma cidade planejada regularmente, como a dos espanhóis. Como foi dito, o partido inicial adotado foi distinto, é justo que gerasse, portanto, espaços distintos. Dentro desses espaços, como veremos, houve sempre uma procura por ordenação – como é o caso das  Residências e Reduções jesuíticas, organizadas em torno de praças regulares e que se tornaram, posteriormente, núcleos de muitas vilas. Além disso, a partir
do século XVIII quando a política da metrópole redirecionou-se e passou a dar mais atenção para a colonização do interior da América, visando através de uma tática do utis possidetis - quem utiliza de fato possui - se apossar das terras do interior da América até então pertencentes à Espanha e onde acreditavam que havia ouro, os portugueses, através de uma política de fundação de cidades, utilizaram-se do planejamento regular e em quadras do tipo tabuleiro xadrez.
As Cartas Régias de fundação destas cidades, assinadas por D. João V - o monarca português que empreendeu a tarefa da colonização do interior - vinham sempre com determinações a respeito de um planejamento regular, tal como na fundação da Vila da Santíssima Trindade em Mato Grosso, cuja Carta data de 1746, e onde se pode ler que; “o sítio que se eleger para a fundação da dita Vila seja o mais saudável, e em que haja a boa água para beber, e lenha bastante e se determine o lugar da Praça no meio da qual, se levante o pelourinho e se assinale área para o edifício da Igreja capaz de receber competente numero de fregueses, quando a povoação se aumente, e fará delinear por linhas retas, a área para as casas se edificarem deixando ruas largas e direitas, e em primeiro lugar se determine nesta área, as que se devem fazer, para a Câmara, Cadeia, Casa das Audiências, e mais oficinas públicas, e os oficiais da Câmara depois de eleitos darão os sítios que se lhes pedirem para casas e quintais nos lugares delineados e as ditas casas em todo o tempo serão feitas todas no mesmo perfil no exterior, ainda que no interior as fará cada morador à sua vontade, de sorte que se conserve a mesma formosura da terra e a mesma largura das ruas”.
Pelo documento acima se podem perceber as preocupações urbanísticas da administração lusa: a caracterização do poder temporal (representado pelo pelourinho, local de castigo dos criminosos) junto ao poder religioso (igreja), ambos sediados na praça principal da nova Vila; a construção imediata dos prédios administrativos, Casa de Câmara e Cadeia (o partido típico no Brasil é de uma única construção onde a cadeia é em geral em baixo e o conselho municipal no sobrado); as preocupações com um traçado regular da malha urbana e com um tratamento fachadístico padronizado para todas as casas, o que, dado os devidos descontos às proporções e monumentalidades, lembra os implementos urbanísticos do barroco francês na Paris de Luis XIV.
Apresentamos abaixo algumas das vilas e cidades fundadas no Brasil, dentro da evolução delineada acima.

  • Salvador

Salvador foi fundada em 1549 e marca uma nova etapa no processo de colonização lusa após o fracasso da política de descentralização estabelecida pelas capitanias hereditárias.
Passa-se a procurar a centralização proporcionada pela construção de uma capital situada quase no centro geométrico da costa portuguesa na América.
Sobre o ponto de vista urbano, Salvador nasce como uma praça-forte. O Regimento de El Rei endereçado a Tomé de Souza determinava que a fortaleza a ser construída fosse feita em local mais para dentro da baía e em área que possibilitasse a expansão futura de um povoado grande. O local escolhido foi o topo de uma colina suficientemente ampla para o desenvolvimento da cidade nas suas primeiras décadas, o traçado regular do núcleo mais antigo, parece ter tido a autoria do mestre Luis Dias, o responsável pelas primeiras construções governamentais. 
Prospecto pela marinha a cidade de Salvador/ 1756

A planta da cidade de 1624, além de vistas da mesma época, feita pelos invasores holandeses, mostram uma cidade ainda encarapitada no alto de uma elevação, murada, com descidas para as partes baixas defendidas por altos portões, e tendo um plano inclinado enquanto monta-carga para fazer o transporte de mercadorias dos trapiches situados à beira-mar, para a cidade alta.
Salvador em meados do século XVI


Aparecem nitidamente duas praças, sendo a da esquerda o Terreiro de Jesus, centro religioso da vila onde se situavam o colégio e a igreja dos Jesuítas, a igreja dos clérigos laicos, a igreja da Ordem Terceira de São Domingos e aos fundos, a igreja dos franciscanos; e a praça da direita, onde se situava o Palácio do governo e Casa de Câmara e Cadeia. Nenhuma das duas praças é regular, mas é possível ver uma certa regularidade e uma certa predominância do traçado em xadrez nos quarteirões circunvizinhos.
O desenvolvimento posterior da cidade vai se dar no sentido da manutenção do centro administrativo e religioso na parte alta, e o surgimento de uma cidade baixa que de início abriga apenas os armazéns portuários (trapiches), mas que com o crescimento da cidade, vai se tornar a área comercial por excelência assim como uma área habitacional destinada a pessoas de menor poder aquisitivo e social.

  • Rio de Janeiro

A cidade do Rio de Janeiro, como já havíamos dito, foi fundada em 1565 no istmo situado entre o morro Cara de Cão e o Pão de Açúcar, lugar exíguo que só se justificou enquanto local transitório, pela sua significação militar como sentinela da barra e trampolim para a conquista da baía, até a data na mão de franceses e de seus aliados tamoios. Logo após a expulsão dos franceses tratou-se da transferência da cidade para o alto do morro do Castelo.
As razões da escolha do novo local foram puramente militares; no alto do referido morro era possível vislumbrar quem invadia a baía, e, principalmente, a posição dos fortes construídos e posicionados na embocadura da baía permitia que se travasse uma batalha na entrada, sem muitos riscos de se atingir a cidade, posicionada mais ao fundo.
A primeira das construções no alto do morro, além da igreja matriz, do colégio dos Jesuítas e da casa de Câmara e Cadeia, foi a fortaleza do Castelo cercada de muralhas com muitos baluartes e artilharia, de acordo com as informações que o próprio Mem de Sá enviou ao rei. Ou seja, uma cidade praça-forte; na sua traça não havia fronteiras entre a arquitetura militar e o urbanismo.

Planta da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro/ 1713

No caso do Rio, contudo, a descida para a várzea não se fez esperar. Talvez porque o espaço no topo do morro não fosse suficiente para abrigar uma expansão mínima da cidade, o fato é que nos anos seguintes ao da fundação, algumas ermidas já estavam sendo construídas na parte baixa, contudo, nas primeiras décadas as construções mais importantes que foram construídas fora dos limites do Castelo o foram também construídas no cimo de outros morros próximos, como o morro de Santo Antônio que abrigou o convento dos franciscanos e o morro de São Bento, local escolhido pelos beneditinos para implantação do seu convento. A opção pelo topo de morros tinha um caráter defensivo sem dúvida, porém não expressava menos uma opção pelo menor esforço, pois na várzea predominavam regiões pantanosas que exigiam serviços custosos de drenagem e aterro. A cidade pairava assim, no seu início, no alto de três morros, até que a ocupação da várzea se deu de forma mais expressiva. Ao contrário de Salvador, contudo, a descida para a várzea significou um esvaziamento político do núcleo original, pois foram transferidas para a parte baixa da cidade tanto a casa de Câmara e Cadeia como a casa do governador e a igreja da Sé; o novo núcleo político e religioso foi se instalar em torno de uma praça voltada para a baía, que tal como a principal praça de Lisboa – voltada para o Tejo e onde se encontrava o palácio real – passará a ser chamada de Terreiro do Paço.
A leitura do traçado destes quarteirões novos, situados na várzea, sugere que a linha mestra da cidade era a sua rua principal, a rua Direita, que acompanhava o contorno da praia e, portanto, era curva, indo da base do morro do Castelo até a base do morro de São Bento: as duas extremidades da cidade e que durante algum tempo a contiveram, ou seja, a cidade só crescia para os fundos. A partir desta rua foram traçadas perpendiculares retas que se
afastavam, tais como os espinhos de uma coroa, e que eram cruzadas por outras ruas que corriam “paralelas” à geratriz, ou seja, à rua Direita.

  • Vitória

Quando Vitória foi fundada em 1549 por Vasco Fernandes Coutinho já existia uma povoação próxima que passou a ser denominada de Vila Velha, e que, no entanto, foi abandonada enquanto centro político da capitania porque a nova posição apresentava melhores condições defensivas, como foi dito na Introdução. O novo posicionamento era elevado, o que condicionou os traçados das vias à uma topografia irregular, ajustada aos acidentes do terreno e inscrita no contorno marítimo. O prédio mais significativo durante o período colonial foi o do Colégio dos Jesuítas (hoje palácio do Governo), com as duas torres da igreja sobressaindo-se no perfil do conjunto urbano, sendo que a mais alta destas torres teria sido construída apenas no século XVIII.

Prospecto da Vila da Vitória

Diante do Colégio situava-se um largo de dimensões irregulares e modestas tendo do lado oposto, a igreja da Misericórdia - hoje desaparecida. Saint-Hilaire que passou pelo Espírito Santo em 1818 e que constatou nas vilas a existência de uma praça em frente às igrejas matrizes comportando-se como um espaço gerador dos traçados urbanos, chamou atenção para a mesquinhez da existente em Vitória, afirmando que só com muita condescendência poderia ser chamada de praça. A cidade no século XVIII começava na região baixa do Campinho - onde hoje é o Parque Moscoso – passando em linha pelo Colégio e igreja dos jesuítas, a igreja da Misericórdia, a Casa de Câmara e Cadeia, a igreja Matriz – onde hoje está a catedral, em estilo neogótico – e por último a igreja do Rosário. Após este último templo a cidade ainda se espraiava um pouco mais no nível do oceano, e terminava.


VILAS PLANIFICADAS DO SÉCULO XVIII

  • Vila Viçosa – Ba, c.1769
Mapa da Nova Vila Viçosa

Segundo Nestor Goulart Reis trata-se de um típico trabalho de urbanismo da administração pombalina para reorganização de antigas aldeias indígenas, cuja população passava a ser reunida juntamente com portugueses, constituindo assim um novo sistema administrativo de base municipal. Esses traçados, com evidente regularidade geométrica e duas praças, uma com função religiosa onde podemos ver a igreja matriz e o cruzeiro da vila e a outra com função administrativa, onde se destaca nitidamente o pelourinho, eram como versões simplificadas na aplicação das antigas Leis das Indias (as mesmas que haviam
determinado a regularidade das cidades na América hispânica). Mas, no caso, com requintes de controle da aparência das casas pelo lado das vias públicas, pois as fachadas eram todas iguais, dando continuidade a tradição urbanística já instaurada na administração de D. João V.


  • Vila de Alcobaça (sul da Bahia) c. 1774

Mapa da nova Villa de Alcobaça

Ainda Nestor Goulart chama a atenção para a semelhança estreita entre o traçado dessa vila e a da Vila do Prado, na mesma capitania. Ao mesmo tempo em que havia um certo refinamento nos procedimentos urbanísticos adotados em larga escala, com apoio nos trabalhos dos engenheiros militares, durante o século XVIII, devemos lembrar que se tratava de procedimentos relativamente padronizados e que terminavam por conduzir a uma certa repetição das soluções.
Observar o fato da proximidade com o rio como uma condição sine qua non
para a escolha do local de fundação da vila (existência de água potável). No caso do plano em questão, a malha de ruas, curiosamente, não define a conformação das duas praças - a de função religiosa e a administrativa – pois parece que o espaço destas praças foi obtido com o afastamento dos quarteirões em volta; reparar no chanfro existente nos quarteirões das extremidades. Também aqui, o tratamento fachadístico regular é a regra. Os quarteirões das extremidades norte e sul estão incompletos como a sugerir que o crescimento da cidade deveria se dar nesta direção.


BIBLIOGRAFIA:
CARVALHO, José Antonio. A arte no Espírito Santo no período colonial: arquiteturacivil. Revista de Cultura da UFES. (29) pp: 27-36, 1984.
CHUECA GOITIA, Fernando. Breve história do urbanismo. Lisboa : Editorial Presença, 1996.
DELSON, Roberta Marx. Novas vilas para o Brasil-colônia: planejamento espacial e social no século XVIII. Brasília : Alva-Ciord, 1997.
REIS FILHO, Nestor Goulart. Imagens de vilas e cidades do Brasil colonial. São Paulo : EDUSP : FAPESP, 2000.
SANTOS, Paulo F. Formação de cidades no Brasil colonial. V Colóquio Internacional de Estudos luso-brasileiros. Coimbra, 1968.





3.2. A TRADIÇÃO CLÁSSICA NA AMÉRICA PORTUGUESA: A ARQUITETURA JESUÍTICA


OBS: O texto abaixo não tem pretensão autoral. Trata-se de notas e ‘fichamentos’ de partes da Bibliografia referenciada em seguida e que foram feitos apenas com caráter didático.


1. As dificuldades na implantação da colônia lusa, na América portuguesa:

Alguns teóricos afirmam que as dificuldades técnicas construtivas existentes nos primeiros tempos de colônia – tanto na dificuldade de encontrar mão de obra especializada quanto de encontrar material de construção já beneficiado - foram as responsáveis por um estilo arquitetônico severo e desprovido de ornatos. Embora seja certa a existência destas dificuldades, é certo também que os primeiros colonizadores, quando se tratava em especial da casa de Deus, estavam sempre dispostos a sacrifícios maiores e muitas vezes foram capazes de ornar construções de alvenaria de cal e pedra extremamente simples com uma rica talha dourada, ou com uma bela portada em pedra de lioz com formas maneiristas delicadamente esculpidas.
Dessa forma é preciso contemporizar a afirmação acima, entendendo que se de fato houve restrições no meio técnico, sobre o ponto de vista formal a época tendia para a contenção das formas clássicas. Basta como exemplo observarmos o comedimento da fachada de São Roque de Lisboa, que serviu de modelo para a maior parte das igrejas do primeiro século da colonização e que, a rigor, por situar-se na metrópole, não sofreu com nenhum problema de ordem técnica ou orçamentária.
Excluindo as primeiras choupanas, houve uma primeira série de edificações de estruturas de madeira e barro de mão (pau a pique), assobradadas, com cobertura em telha cerâmica.
Não eram, porém, tais construções tão precárias como se tem dado a entender. Anchieta, por exemplo, referindo-se a área do primitivo Colégio de Olinda, diz o seguinte: “ainda que grande está toda cercada de parede de tijolo...”; e tem “duas ruas de pilares de tijolo com parreira”. Por onde também se conclui que o emprego do tijolo em Pernambuco, ao contrário do que se tem afirmado, é anterior, de muito, ao domínio holandês.
As instruções de Roma com referência a construções eram no sentido de se atender à perpetuidade – “porque ainda que custe mais, sai mais barato”. A necessidade, tanto para a igreja como para a coroa, era de edificações perenes: No regimento dado a Tomé de Souza em 17.12.1548, El-rei determinava: "fizesse ele uma fortaleza de pedra e cal e, se não a pudesse construir com esse material, que a fabricasse de pedra e barro, ou então de taipa, ou ainda de madeira", enfim, "faça-se a fortaleza como melhor puder ser".
Se nas primeiras construções do século XVI predominou o sistema construtivo da taipa de pilão (terra socada), por oferecer boa resistência e ser tecnicamente mais fácil de ser construído, logo, padres e civis, prefeririam as alvenarias de cal e pedra. Lucio Costa observa que ao contrário do que se tem categoricamente afirmado, as edificações em alvenaria de pedra – tanto religiosas como civis – já eram bastante comuns na segunda metade do século XVI. Foram várias as construções jesuíticas, igrejas e colégios, então feitas com essa técnica. Tomé de Souza em uma carta de 1553 descreve São Vicente como “uma igreja muito honrada e honradas casas de pedra e cal com um colégio dos Irmãos de Jesus”. A existência de grandes conjuntos em alvenaria de cal e pedra já desde a segunda metade do séc. XVI, como afirma Costa, é confirmado pelas ruínas da Torre de Garcia D’Ávila, construída perto de Salvador (Tatuapera) e que atestam um grau de tecnologia impressionantemente grandioso e cuidadoso, em especial nas suas arcadas.
Contudo, nem sempre as possibilidades locais de material acompanhavam os anseios de perpetuidade da obra. Por exemplo, na região da cidade de São Paulo assim como no interior do país, em Goiás, sempre houve dificuldades para se obter pedras de boa qualidade assim como também cal para as argamassas, pois esta última era em geral fabricada de conchas existentes com abundância no litoral. Assim, nestas regiões, predominou a arquitetura de terra (taipa de pilão). Em termos gerais, pode-se dizer que a taipa de pilão era o sistema construtivo da região de São Paulo, assim como a taipa de mão (pau-a-pique) era dos mineiros e, a alvenaria de cal e pedra, dos cariocas.
Os quadros de Franz Post da época da dominação holandesa revelam que conjuntamente com algumas construções em cal e pedra convivia a técnica da arquitetura de terra (taipa de pilão ou pau a pique), também em construções elaboradas (assobradas) que atestam serem estas feitas com propósitos de perenidade: volumes mais acachapados e contornos menos definidos em relação às construções em alvenaria de cal e pedra, o espesso pranchão fazendo de verga sobre a janela, os grandes beirais, precaução indispensável – já que não havia calhas – para evitar que a água despejada dos telhados fosse aos poucos desagregando o barro das paredes e comprometendo assim, com o tempo, a estabilidade do edifício. Quanto às construções ditas de “pedra e barro”, como por exemplo, a igreja do Colégio Jesuítico de São Paulo, que podemos ver abaixo em foto de Militão de Azevedo de 1863, representavam, de certo modo, um compromisso entre essa técnica e a de pedra e cal.


A arquitetura dos Jesuítas: Fundada em 1540 em Roma por Inácio de Loiola, já no mesmo ano a Companhia de Jesus penetrava em Portugal e Espanha e logo a seguir no Oriente e na América. Cabe aos jesuítas o reconhecimento de que foram de fato a primeira força organizada a se empenhar em esforços civilizatórios nas terras do Novo Mundo: foram colonizadores, missionários, educadores e construtores. Eles ocuparam-se não apenas do ensino básico como também do ensino superior, introduziram nas suas escolas o estudo dos autores latinos clássicos; Horácio, Virgílio, Ovídio, e teriam sem dúvida organizado universidades na América portuguesa se o governo central, com sua política controladora, não tivesse impedido.
No Brasil (ao contrário do México e do Peru, onde as civilizações encontradas eram mais complexas e onde havia verdadeiras cidades de origem pré-colombiana) cabia aos missionários lidar com tribos dispersas, selvagens, às quais tinham que reunir, despertar neles os instintos sociais, criar centros populacionais, enfim, criar a civilização européia na terra virgem. Neste sentido, os jesuítas foram muito mais importantes que os primeiros colonos já que estes últimos acabaram revelando-se muito mais exploradores do que civilizadores. O sistema jesuítico, diz Gilberto Freire, talvez tenha sido a força mais eficiente de europeização técnica, cultural, moral e intelectual que se exerceu sobre as populações indígenas, poderíamos acrescentar que não só, haja visto o papel de formação que os jesuítas tiveram nos grandes núcleos, com suas escolas – freqüentadas pelos filhos da aristocracia local - bibliotecas, etc... Segundo o historiador Sergio Buarque de Holanda; a despeito de erros e excessos, a obra dos jesuítas “..representou o lado mais generoso, mais idealista e mais humano de toda a colonização levada a efeito no Brasil”.
Os Jesuítas tinham pelo menos três tipos de estabelecimento: os Colégios, em geral situados nas vilas importantes e que tinham como principal função formar missionários; as Residências, em geral em aldeias construídas para a catequese dos índios; e as Fazendas, que provisionavam os Colégios e as Residências – embora muitos destes últimos tivessem suas próprias hortas e pomares.
O sistema de quadra (pátio interno, em torno do qual se desenvolviam as construções), foi o complexo ideal nos primeiros tempos, por ser voltado para dentro, dando o caráter de uma ‘fortaleza’ na qual se podia resguardar dos ataques de indígenas hostis. Mas, ao contrário das outras ordens - mais contemplativas e fechadas ao mundo externo - os padres da Companhia de Jesus traziam para o interior do pátio os habitantes do local, onde se instalavam para as aulas e oficinas, tornando estes pátios os centros nervosos de trabalhos e atividades. Muitas vezes no complexo jesuítico havia dois pátios (como em Salvador), um destinado às aulas e oficinas, outro destinado apenas aos padres. O programa do complexo é o mesmo, tanto para os Colégios como para as Residências. Programa dividido em três partes, cada um correspondendo a uma determinada função: para o culto, a igreja; para o trabalho, as aulas e oficinas; para residência, os cubículos, a enfermaria e mais dependências de serviço, além da cerca, com horta e pomar. Programa este distribuído em volta das quadras.
Na vila, erguia-se o Colégio, tendo diante uma praça. A localização era sempre escolhida pelos jesuítas e é raro que este lugar escolhido por eles não se tenha tornado o centro principal das decisões da vila, pela influência dos jesuítas na sociedade colonial. Na aldeia utilizavam a disposição dos índios: à volta de uma praça retangular, dispunham as casas dos indígenas fechando um dos lados menores do retângulo com a igreja. Reis Magos (em Nova Almeida – ES) é um dos poucos exemplos desse método de arranjo urbano que ainda sobrevive, com o traçado original da praça, embora as construções em volta já estejam adulteradas.
Enquanto na Europa e na América hispânica o jesuítico traz logo à lembrança, além das formas compassadas iniciais, as manifestações mais desenvoltas do barroco, até porque a ação da Companhia nestes locais prosseguiu ininterruptamente por quase todo o século XVIII, entre nós, onde a atividade dos padres, já atenuada na primeira metade do século, foi definitivamente interrompida, com a expulsão, em 1759, as obras dos jesuítas, ou pelo menos grande parte delas, representam o que temos de mais antigo. O estilo jesuítico
refere-se às composições mais ‘renascentistas’, moderadas, regulares e frias, imbuídas do espírito da contra-reforma.
Tiveram os jesuítas capacidade de desenvolver suas construções com apuro e técnica, e chegaram mesmo a contar com um irmão arquiteto, que em Portugal havia colaborado com Filippo Terzi (arquiteto italiano) na construção da fachada de São Roque de Lisboa: o jesuíta Francisco Dias.
A planta de nave única é a tônica da igreja jesuíta, embora haja exceções (a igrejinha de Reritiba, em Anchieta no ES, São Pedro da Aldeia no RJ, assim como a antiga Matriz de São Sebastião no morro do Castelo no RJ, todas estas igrejas possuíam três naves, tais como as antigas catedrais medievais).
A evolução das plantas de uma nave, segundo Lúcio Costa, se dá da seguinte forma:
  1. O tipo mais singelo, no qual nave e capela-mor constituem um mesmo corpo de construção dividido convencionalmente apenas por um arco cruzeiro.
  2.  Tipo bastante generalizado, e que prevalece até recentemente em igrejas mais modestas, onde nave e capela-mor aparecem nitidamente diferenciados, esta ultima de largura e pé direito menores. Muitas vezes, nos lados da capela-mor, localizam-se altares laterais (Planta do Colégio de Belém da Cachoeira – Bahia).
  3. Tipo mais complexo, utilizado em grandes igrejas do séc. XVII. Neste caso mantém-se os três altares do tipo anterior e criam-se para os altares laterais, pequenas capelas, de maior ou menor profundidade. (Olinda, Salvador).
  4.  Variante da planta acima, onde mais duas capelas são inseridas na lateral, formando um ‘transepto’ e voltando-se à planta de cruz latina (Colégio de Belém do Pará).
O padrão de frontispício sem torre, da igreja de São Roque de Lisboa, vai ser substituído por um padrão de torres pequenas inseridas junto à voluta do frontão central, como na fachada das igrejas do Colégio de Salvador (foto p.09) e de Belém. Ou o padrão da torre posicionada fora do retângulo da fachada e
fazendo a união da igreja com a residência/colégio, como em São Paulo (foto
p.02), Rio de Janeiro, Vitória (foto p.08). Nas construções mais modestas das 5
Residências e Fazendas, como em Reis Magos no ES (foto acima), o padrão se repete e a pequena fachada retangular coroada por frontão triangular possui uma única torre inserida entre a igreja e a residência.
As elevações internas dos Arcos-cruzeiros são impregnadas de modelos clássicos, como arcos de triunfo, cujas proporções são sempre trazidas dos manuais disponíveis na época, em especial Serlio, Vignola e Palladio.

Ilustrações comentadas:


Igreja do Gesú, em Roma (1568)

Por Vignolla e Della Porta. Foi uma das igrejas mais influentes da cristandade no século XVI e XVII. Nela, volta-se ao plano em cruz latina com transepto (embora este não seja saliente) coroado por cúpula, com capelas laterais, sem tribunas. O teto da nave é em falsa abóbada de berço (em madeira) com pintura ilusionística já barroca. A fachada volta à tradição das igrejas do primeiro renascimento de Alberti (Santa Maria Novella) derivadas do românico toscano (São Miniato). Será o modelo-mor das igrejas jesuíticas no mundo todo, no Brasil, contudo, as igrejas jesuíticas serão mais influenciadas em planta e em fachada por São Roque de Lisboa do que propriamente pelo Gesú.



São Roque de Lisboa (1565). 
Tendo sido projetada segundo Bazin, antes do Gesú de Roma (1568), São Roque teve seu projeto calcado em antigos templos medievais ibéricos, com a cabeceira contendo um altar-mor em um nicho profundo, e dois altares secundários posicionados lado a lado em nichos
menores – posicionamento este que vai fazer escola no Brasil. As capelas laterais se comunicam por pequenas portas e a planta parece ter um transepto. O teto da nave, em forro de madeira, é plano. Embora a planta seja de Afonso Alvarez, arquiteto do rei, o autor da fachada parece ter sido o italiano Fillipo Terzi, que a época (1583), trabalhava na construção da Igreja de São Vicente e Fora. A fachada é bastante distinta da igreja dos jesuítas romanos, bem mais simplificada e segundo Bazin tem como base antigos templos românicos portugueses. O frontão triangular tem um óculo (foi reconstruído após o original ter desmoronado durante o terremoto de 1755), a marcação da fachada abaixo do frontão é em seis painéis (pilastras toscanas duplas nos cunhais e simples no meio), as três janelas da parte superior vão fazer 'escola' no Brasil.





Igreja de N. Sra. Da Graça de Olinda (1584).

Provavelmente executada sob projeto do irmão Francisco Dias, o arquiteto jesuíta português que trabalhou com Terzi em Lisboa, na fachada de São Roque. Esta igreja serviu de modelo para diversas igrejas na colônia americana. O traçado da planta lembra em alguma coisa o de São Roque simplificado, sem as capelas laterais e mantendo o esquema de um altar profundo ladeado por dois altares de menor tamanho e profundidade. Também pela fachada lembra São Roque, novamente simplificada, pois foram retiradas as marcações horizontais e verticais (permanecendo apenas as pilastras dos cunhais) assim como as duas portas laterais, ficando apenas a porta central encimada por três janelas. A igreja não possuía torre. Observar a elevação absolutamente clássica do arco cruzeiro, oriundo dos antigos arcos triunfais romanos.



Residência de Reritiba - ES (1597).
Segundo Lúcio Costa esta igreja retém ainda o partido medieval de 03 naves. O traço da fachada é simples como o de Olinda, contudo, a janela do meio foi subtraída (teria sido fechada no século XIX - ver figura na próxima página). Este esquema de um frontispício sem marcações horizontais e verticais (com exceção dos cunhais e do frontão) com uma única porta encimada por três janelas, vai fazer escola, em especial nos templos mais humildes da ordem.


Igreja do Colégio de São Tiago, Vitória (ES).


Os jesuítas instalaram-se na região de Vitória a partir de 1551, segundo Paulo Santos. Hoje desaparecida, a igreja de São Tiago parece ter sido iniciada a partir do final do século XVI. A fachada mostra a mesma simplicidade do traço da Graça de Olinda, coroada por frontão triangular e óculo, com portada central com voluta barroca – provavelmente posterior - encimada por três janelas. A torre mais robusta vista à esquerda, fazia a passagem da igreja para o prédio do Colégio (atual palácio do governo) e era da época da igreja, a torre mais alta, foi um acréscimo posterior (século XVIII). A planta da igreja era de nave única com capela menor e mais estreita, e com corredores laterais.



Colégio de Salvador na Bahia (1654).


Nenhum dos grandes conjuntos jesuíticos chegou intacto aos nossos dias. O colégio atual é uma reconstrução do primitivo conjunto do século XVI. Tinha dois pátios em torno da Igreja, o do lado esquerdo (A) - foi demolido e no local hoje se encontra uma praça – provavelmente era o pátio do colégio enquanto o do outro lado (D) seria o destinado à residência dos padres, com os cubículos em volta. A igreja (B) afastou-se do modelo de Olinda (que orientou a maior parte dos conjuntos jesuíticos no Brasil), e aproximou-se mais da igreja de São Roque de Lisboa e do Espírito Santo de Évora, manteve a cabeceira com três altares – um profundo ladeado por dois mais rasos - e foram acrescentadas as capelas laterais ao longo da nave com tribunas por cima, assim como um teto em estuque de abóbada de berço e um coro superior na entrada. A igreja possui corredores laterais ao altar mor e que levam à sacristia (C), que vai se constituir no programa básico da igreja no Brasil no século XVIII. O Programa social dos jesuítas era completado por uma enfermaria e uma casa de recoletos (E). A fachada é toda em lioz português e foi encomendada e toda esculpida em Portugal, vindo de lastro nos navios portugueses, o tratamento é monumental, fugindo totalmente do que vinha sendo o padrão até então: a portada central coroada por frontão interrompido por nicho de santo é repetida em menor escala nas duas portas laterais, as janelas do segundo pavimento são em número de cinco – incorporando janelas nas “torres” – e o frontispício
do topo incorpora volutas barrocas assim como sineiras nas extremidades.
O arco-cruzeiro no interior da igreja é magnífico, também todo esculpido em lioz português. Compará-lo com os arcos cruzeiros de Olinda (p.07) e de
Belém do Pará, que são bem mais simples, observar em especial o tratamento de frontão maneirista dado à parte acima da cornija. Essa igreja tinha a pretensão de competir com tudo o que estava sendo construído a época em termos de templo religioso no mundo português, e o resultado é um dos monumentos religiosos mais importantes da América Latina.




Seminário jesuíta de Belém da Cachoeira – Bahia (1687-1701).
Esta igreja é do tipo 02, na classificação de Lúcio Costa, apesar da data da construção. O conjunto remonta ao tipo de construção de um grande complexo com uma igreja centralizada, em posição de destaque, com um pátio central aos fundos, tal como no palácio e convento do Escorial na Espanha, de Herrera, símbolo máximo do conjunto monumental da contra-reforma, onde a igreja, mesmo no conjunto palaciano, tomava a primazia.



Igreja do Colégio Santo Alexandre de Belém do Pará (c. de 1700 a 1719).


 Parte do mesmo princípio que a planta de Salvador, com capelas laterais comunicantes encimadas por tribunas, a capela-mor, contudo, é mais profunda e não existem capelas laterais ao lado do altar, que foram repassadas para o transepto. A elevação interior é mais modesta, não apresenta a mesma grandiosidade da igreja de Salvador. Também na fachada esta igreja não tem a mesma elaboração formal, é mais pesada, menos graciosa, um tanto tosca.


BIBLIOGRAFIA:
BAZIN, Germain. A arquitetura religiosa barroca no Brasil. Rio de Janeiro, Record, 1983. 02 v.
CARVALHO, José Antonio. ‘A arquitetura dos jesuítas no Espírito Santo: O Colégio e as residências’. Barroco, n° 12, 1982/3.
COSTA, Lúcio. ‘A arquitetura dos jesuítas no Brasil’. Revista do IPHAN, n° 26, 1997.
SANTOS, Paulo F. Contribuição ao estudo da arquitetura da Companhia de Jesus em Portugal e no Brasil. Coimbra, 1966.
VASCONCELLOS, Silvio de. Arquitetura no Brasil: sistemas construtivos. Belo Horizonte, UFMG, 1979.